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terça-feira, 11 de agosto de 2020

CONVERSA DE PISTA.
Por Wagner Gonzalez*

DIA DO CAÇADOR


Red Bull explora qualidade de Max e derrota Mercs


Max Verstappen: estilo de pilotagem e estratégia da equipe garantiram vitória. Foto: Red Bull.

Um bom tempo analisando o desenrolar do Grande Prêmio da Inglaterra e a estratégia correta para explorar o desempenho do RB16-Honda e o estilo de pilotagem de Max Verstappen (foto de abertura/Red Bull) resultaram na vitória da equipe Red Bull no que celebrou os 70 anos da F-1. O resultado quebrou a hegemonia da Mercedes após uma vitória de Valtteri Bottas e três de Lewis Hamilton nas quatro provas anteriores: Áustria, Styria, Hungria e Grã-Bretanha. O acerto dos carros azuis proporcionou explorar ao máximo os pneus escolhidos para o asfalto de circuito e permitiu ainda que Alex Albon se recuperasse de algumas exibições erráticas e permitiram que o anglo-tailandês mostrasse seu arrojo ao ultrapassar alguns adversários pelo lado externo das curvas, manobra considerada das mais difíceis no automobilismo. Do paddock de Silverstone o circo da categoria segue para Montmeló, onde a temporada prossegue domingo com a disputa do GP da Espanha.

Segunda prova em que os carros da Mercedes tiveram desgaste dos pneus. Foto: Mercedes.

Na corrida disputada no domingo retrasado os dois carros da Mercedes tiveram problemas com o desgaste dos pneus: somente a combinação de uma dose de sorte e competência de Lewis Hamilton com uma estratégia arriscada da Red Bull permitiram a terceira vitória do inglês na temporada. No último fim de semana novamente os carros do time alemão mostraram consumo exacerbado de borracha, algo visível a olho nu mesmo através das imagens de TV. Novamente em decisão corajosa, Verstappen e sua equipe mantiveram o espírito de combate em alta: sacrificaram a luta pela pole position para largar com pneus mais duros que os rivais, a quem não deixaram escapar na liderança, ao contrário do ocorrido na prova anterior. Ao prolongar ao máximo seu primeiro stint (como são chamados os vários estágios de uma corrida) e acertando em cheio o momento correto para um segundo pit stop.

Charles Leclerc, quarto colocado, novamente foi o cavaleiro solitário da Scuderia. Foto: Ferrari.

O resultado da prova mostra que se existe um ponto débil no Mercedes W11 essa falha pode ser encontrada na interação entre chassi e pneus de composto mais macio em um dia quente. Para a corrida na Catalunha a Pirelli entregará os mesmos compostos utilizados no GP da Inglaterra (quando Hamiton venceu e Verstappen foi segundo), teoricamente opção favorável aos Mercedes. Ocorre que será a primeira vez que a etapa da Espanha será disputada no auge do verão europeu e o asfalto do traçado catalão é famoso por gerar altas temperaturas. Dito isso não será surpresa se, tal como aconteceu no ano passado, os cinco primeiros classificados explorem quatro estratégias diferentes no que se refere ao uso de pneus durante a prova. Ou seja, promessa de grandes emoções no próximo domingo.

Alex Albon voltou a se destacar ao andar forte e fazer boas ultrapassagens. Foto: Red Bull.

Mais do que emoção, o paddock da F-1 vive momentos de tensão em decorrência dos protestos da Renault alegando que a Racing Point copiou o desenho de peças do Mercedes W10, monoposto usado no ano passado. Tal prática é distante anos luz do ineditismo no que se refere à criatividade da categoria e a polêmica serve para esclarecer uma situação mais do que controversa: há um movimento para liberar a venda pura e simples de modelos anteriores a equipes do segundo pelotão ao mesmo tempo que se condena a cópia de soluções comprovadamente eficientes. Ferrari, McLaren, Renault e Williams são contra a cópia, ainda que a Ferrari explore sua colaboração com a Alfa Romeo-Sauber e Haas para desenvolver equipamentos e a Williams use peças da Mercedes.

Tempera-se esse antagonismo com o fato que vários fotógrafos são contratados por equipes para fotografar partes específicas dos carros dos adversários e tem-se um cenário que a FIA e Ross Brawn (o responsável técnico da Liberty Media) terão dificuldade para escolher a melhor decoração. Revogar um artigo do regulamento técnico que exige que cada equipe construa seu próprio chassi pode ser o primeiro passo para por ordem na casa.

O resultado completo do GP 70 Anos da F-1 você encontra aqui


* Wagner Gonzalez é jornalista especializado em automobilismo de competição, acompanhou mais de 350 grandes prêmios de F-1 em quase duas décadas vivendo na Europa. Lá, trabalhou para a BBC World Service, O Estado de S. Paulo, Sport Nippon, Telefe TV, Zero Hora, além de ter atuado na Comissão de Imprensa da FIA. Atualmente é diretor de redação do site Motores Clássicos. Siga o Beegola pelo InstagramFale com o Wagner Gonzalez: wagner@beepress.com.br.


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terça-feira, 4 de agosto de 2020

CONVERSA DE PISTA
Por Wagner Gonzalez*

BLACK TYRES MATTER?

Sétimo triunfo de Lewis Hamilton no GP da Inglaterra entrou para a história como a vitória em três rodas. Poucos lembraram de um resultado semelhante, e muito mais surpreendente, no GP de Mônaco de 1992.


Líder do movimento antiracista na F-1, Hamilton venceu 7 dos últimos 6 GPs da Grã-Bretanha. Foto: Mercedes.

O sétimo triunfo de Lewis Hamilton no Grande Prêmio da Inglaterra já entrou para a história como a vitória das três rodas. Alguns fatos, porém, foram pouco ou nada explorados na repercussão desse resultado que repete os de 2008/14/15/16/17/19. Falo das duas entradas do safety car, da atuação de Max Verstappen, da estratégia da equipe Red Bull e o resultado do GP de Mônaco de 1992. E sim, há uma linha de raciocínio que liga uma coisa à outra. O mesmo não acontece com a atual fase da Ferrari: difícil explicar o rendimento antagônico dos carros de Charles Leclerc e de Sebastian Vettel.

Duas entradas do Safety Car deram emoção às voltas finais da prova. Foto: Mercedes.

O dilaceramento de pneus que se viu em Silverstone este ano não foi novidade: a corrida de 2013 foi marcada por um estrago ainda maior; pior, na ocasião problema que não ficou centrado no dianteiro esquerdo tal qual se viu domingo último. Em 2020 o problema envolveu outras causas, começou nos treinos e na corrida só não foi mais danoso por causa das duas entradas do safety car: aquelas tantas voltas em velocidade reduzida (para os padrões da F-1) alterou o consumo de combustível e, por tabela, o de pneus. A estratégia de uma parada previa a troca entre a 21ª e a 24ª voltas, mas na 13ª passagem todos que estavam na pista já tinham recebido pneus novos e de composto duro, exceção feita a Romain Grosjean.

Bottas e Verstappen disputaram posições no início e no fim da prova. Foto: Mercedes.

Durante os treinos foram inúmeras as rodadas de vários pilotos, a maioria com a traseira dos carros escapando subitamente. Causas que podem explicar isto: o cenário do circuito e o acerto aerodinâmico, já que os pneus são os mesmos do ano passado, duro (C1), médio (C2) e macio (C3). Silverstone é um circuito de alta velocidade média – a pole de Hamilton foi obtida com a velocidade média de 251,564 km/h e Verstappen registrou a volta mais rápida da prova cerca de 8 k/h mais lento: 243,494 km/h. Com retas pronunciadas e curvas velozes o acerto básico privilegia pouca inclinação das asas e, consequentemente, a aderência mecânica fica reduzida. Por tudo isso os fortes ventos locais, que mudam de direção frequentemente, acabam surpreendendo os pilotos em situações críticas. Algo que em Spa seria equivalente a passar pelo complexo curva Eau Rouge-Radillon com pista seca e encontrar chuva em Malmedy...

Situado em área descampada, Silverstone é conhecido por rajadas de vento. Foto: Red Bull.

Para compensar a menor carga aerodinâmica aumenta-se a área de contato com o piso, e conseguir mais aderência mecânica adotando calibragem abaixo do recomendado pelo fabricante, o que gera maior esforço na estrutura do pneu, daí a coincidência de problemas com o dianteiro esquerdo, o mais solicitado no traçado de Silverstone. No caso de Hamilton o dianteiro direito também estava longe do que o se pode chamar de "inteiro" quando o inglês retornou aos boxes após a bandeirada, detalhe que acrescentou drama, mas não alterou o resultado da prova.

Vídeo divulgado esta madrugada mostra que causa do acidente de Kvyat foi pneu traseiro direito furado. Foto: Red Bull Content Pool.

Será curioso notar o que vai acontecer no próximo fim de semana: os pneus estipulados para a quinta etapa serão um grau mais macio: C-2 (Médio), C3 (Macio) e C4 (Super Macios). Quando se lembra que o acidente de Kwyat, na 12ª volta, foi provocado pelo dilaceramento do pneu traseiro direito em um trecho onde, teoricamente, não havia detritos na pista, essa escolha aumenta o suspense.

O que realmente alterou o resultado da prova de domingo foi o ritmo imposto por Max Verstappen e a estratégia adotada pela Red Bull quando Valtteri Bottas iniciou a sessão suspense da quarta corrida da temporada. Somente a partir da 40ª volta os tempos do holandês ficaram praticamente idênticos aos do finlandês; cinco voltas depois o Red Bull RB16-Honda #33 já era mais rápido que o Mercedes W11, detalhe que evidencia a degradação dos pneus do carro de Bottas. Tal queda só foi sentida por Hamilton a três voltas da bandeirada.

Vettel e Leclerc: desempenhos opostos com carros iguais. Foto: Ferrari.

Dada a larga vantagem que o holandês tinha sobre Charles Leclerc, assim que a Red Bull viu o problema no Mercedes #77 chamou Verstappen parou para receber pneus macios e tentar o ponto extra oferecido pelo autor da volta mais rápida, sem risco de ser superado pelo monegasco da Ferrari. Conseguiu dar conta do recado nos dois tópicos. Só que, mesmo descontando 28"387 na volta derradeira, Hamilton recebeu a bandeirada 5"856 à sua frente. Dito tudo isso fica a dúvida do que esperar no próximo fim de semana, quando teremos outra corrida em Silverstone (desta vez celebrando os 70 anos da F-1) e pneus ainda mais macios, portanto menos duráveis. Certamente ninguém vai arriscar fazer as 52 voltas da prova com apenas uma parada.

GP de Mônaco 1992: duelo antológico entre Senna e Mansell nas voltas finais . Foto: McLaren.

A Mercedes obteve sua quarta vitória nas quatro provas já disputadas este ano, mas pode-se considerar correta decisão da Red Bull em sair em busca da volta mais rápida. Quem sabe da próxima vez eles levem em conta a estratégia do vencedor de Mônaco em 1992. Naquele ano a corrida foi decidida de forma semelhante e Ayrton Senna apostou na única chance que tinha para, a bordo de um McLaren MP4-7A-Honda RA122E V12 menos eficiente que o Williams FW14B-Renault RS4 V10, carro do rival Nigel Mansell. A tática do dia foi manter-se o mais próximo possível do adversário e aproveitar a chance criada por um problema inesperado. Essa possibilidade aconteceu na volta 70, a oito do final, quando a porca de uma roda traseira afrouxou; problema resolvido, o Leão voltou à pista (pista? Mônaco?...) atrás de Ayrton, que venceu a corrida.


* Wagner Gonzalez é jornalista especializado em automobilismo de competição, acompanhou mais de 350 grandes prêmios de F-1 em quase duas décadas vivendo na Europa. Lá, trabalhou para a BBC World Service, O Estado de S. Paulo, Sport Nippon, Telefe TV, Zero Hora, além de ter atuado na Comissão de Imprensa da FIA. Atualmente é diretor de redação do site Motores Clássicos. Siga o Beegola pelo InstagramFale com o Wagner Gonzalez: wagner@beepress.com.br.


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terça-feira, 28 de julho de 2020

CONVERSA DE PISTA.
Por Wagner Gonzalez*

DOIS MUNDOS, DUAS MEDIDAS, UMA FÓRMULA.


São Paulo discute cancelamento do GP do Brasil em Interlagos enquanto  Silverstone foca 2021 e lança condomínio de luxo


Em 2022 Silverstone inaugura condomínio de luxo com vista para a pista. Foto: Escapade Living.

Enquanto em São Paulo discute-se a renovação do contrato que garante permanência do GP do Brasil em Interlagos, e até mesmo da realização da própria corrida, os administradores de Silverstone trabalham com um planejamento que inclui os dois próximos GPs desta temporada (que serão disputados sem público), já vendem os ingressos para a etapa de 2021 e acabam de lançar um empreendimento imobiliário que vai construir apartamentos de luxo em uma área com vista para as curvas Maggots e Becketts (foto de abertura/Escapade Living). Como as duas próximas etapas do Campeonato Mundial acontecem nesse autódromo nos próximos dois fins de semana, os corretores locais certamente estarão bem ocupados e não tão preocupados quanto o organizador do GP do Brasil, que ameaça processar a Liberty Media por causa do cancelamento da corrida em Interlagos, competição que estava marcada para 15 de novembro.

Responsável pelo evento há várias décadas, o húngaro Tamas Rohonyi, declarou ontem que a justificativa dada pela Liberty Media para cancelar a corrida não se encaixa nas cláusulas que constam no contrato que garante a realização do GP no Brasil. Rohonyi disse ainda que o prejuízo sofrido pela cidade de São Paulo e por sua empresa são enormes e usou a expressão "é uma pancada no fígado muito forte",  conforme publicado pelo Estado ontem. Ele tem seus motivos para pensar assim. Em certa ocasião admitiu a este colunista que a competição representava o único cliente de sua agência de promoções.

Rohonyi (E), Carey e Dória Júnior: futuro do GP do Brasil em Interlagos ainda é incerto. Foto: Governo do Estado de São Paulo.

Conhecido pela frieza e objetividade com que comanda seu negócio, Tamas agora vive a experiência de estar do outro lado do balcão ao negociar com Chase Carey, com quem admite ter uma boa relação tão boa a ponto de ter sido seu anfitrião em algumas oportunidades.

"O que eu aprendi com o Chase Carey é que ele é muito frio e profissional", declarou o húngaro, que emendou lembrando que "todas as negociações que ele fez até hoje foram fechadas no último minuto". Dito isso, ainda que num contexto que envolve a possível transferência do GP para um autódromo inexistente no Rio de Janeiro, é de se estranhar porque Rohonyi admitiu ter sido surpreendido pela decisão tardia da Liberty Media em cancelar a corrida brasileira. Não bastasse seu relacionamento próximo com o executivo norte-americano, tal possibilidade era assunto há muito explorado na imprensa especializada. Por via das dúvidas, a venda de ingressos para o GP do Brasil deste ano sequer foi iniciada, ao contrário do que acontece normalmente.

A realidade dos fatos sugere que o cenário desse cancelamento é bem diferente do que sugerem declarações e decisões tornadas públicas até agora, incluída aquela que é cada vez mais comum: o vilão Coronavírus. Tamas é aliado de primeira hora de Bernie Ecclestone; atualmente persona non grata no ambiente da F-1. O  empresário inglês foi nomeado "presidente de honra" após vender o controle da categoria para a empresa de Carey, só que na ocasião não se falou que a honraria não era hereditária, nem mesmo vitalícia. Dois anos mais tarde, em janeiro deste ano, Ecclestone descobriu que o título já tinha ultrapassado o seu prazo de validade.

A corrida brasileira está longe de ser a que gera os maiores lucros para a categoria, nem por isso deixa de ser importante para os donos do negócio. Único evento do calendário na América do Sul, ela contribui para consolidar o status "mundial" do produto e atende aos grandes patrocinadores e anunciantes envolvidos no negócio. O que mudou no cenário é que agora Ecclestone e Rohonyi não comandam o roteiro como em outros tempos. Mais, os valores e métodos praticados mudaram a ponto de afetar o relacionamento com a TV Globo e a maneira como o produto F-1 é veiculado.

O tempo que a simples transmissão da prova bastava para proporcionar uma boa experiência a entusiastas e neófitos há muito acabou e a emissora brasileira rechaçou o modelo praticado por suas congêneres internacionais.

Pior, o modelo de negócios atual envolve serviços extras como pacotes de informação que permitem acompanhar a corrida de uma forma inimaginável se comparada com a primeira vez que se viu um GP na TV brasileira, fruto de um visionário Antônio Carlos Scavone. Não é exagero afirmar que, excetuando-se a qualidade das imagens, trata-se do mesmo formato off tube que a casa oferece há anos. Poucos conseguem enxergar que essa história vai muito além do cancelamento da corrida deste ano e da renovação do contrato atual. De quebra, em clima de Black Friday brasileira, não falta quem tente insistir que é apenas isso.

* Wagner Gonzalez é jornalista especializado em automobilismo de competição, acompanhou mais de 350 grandes prêmios de F-1 em quase duas décadas vivendo na Europa. Lá, trabalhou para a BBC World Service, O Estado de S. Paulo, Sport Nippon, Telefe TV, Zero Hora, além de ter atuado na Comissão de Imprensa da FIA. Atualmente é diretor de redação do site Motores Clássicos. Siga o Beegola pelo InstagramFale com o Wagner Gonzalez: wagner@beepress.com.br.


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terça-feira, 21 de julho de 2020

CONVERSA DE PISTA.
Por Wagner Gonzalez*

MAIS DO MESMO E DIFERENTE

Soa contraditório afirmar que a F-1 2020 está interessante e cheia de desafios. Se a equipe Mercedes venceu as três provas já realizadas e soma 121 pontos de um máximo de 129, seus adversários não estão parados.

Mercedes domina e rivais mostram força e capacidade


Lewis Hamilton dominou o GP da Hungria e assumiu a liderança do campeonato. Foto: Mercedes.

Soa contraditório afirmar que a F-1 2020 está interessante e cheia de desafios. Se os pilotos da equipe Mercedes, Lewis Hamilton e Valtteri Bottas, são os únicos vencedores das três provas já realizadas e o time alemão soma 121 pontos de um máximo de 129, seus adversários não estão parados. Há desde empresários de sucesso trabalhando para emular as conquistas de Toto Wolff, novos pilotos caminhando para se tornar os novos astros da categoria e até mecânicos mostrando que a paixão move montanhas e conserta carros até mesmo no asfalto molhado do grid de largada. Tudo isso em uma temporada que sequer tem um calendário definitivo e após três GPs disputados em três fins de semana consecutivos interrompe essa movida para repetir a dose a partir de 2 de agosto.

A Mercedes domina a F-1 há seis temporadas, consequência de um processo iniciado em 1991, quando Mario Illien e Paul Morgan, os donos da Ilmor, passaram a desenvolver o motor 2175A, um V-10 aspirado usado inicialmente pela Leyton House e adotado pela Sauber em 1993, cujos carros a essa altura levavam a inscrição “Concept by Mercedes-Benz”. Entre idas e vindas, os alemães associaram-se à McLaren e no biênio 1998/9 essa combinação deu o carro vencedor ao campeão Mika Häkkinen, resultado repetido em 2008 com Lewis Hamilton.

Toto Wolff é o arquiteto do domínio da Mercedes e tem ações na Aston Martin. Foto:  Mercedes.

Um período de incertezas levou à reformulação do projeto e em 2013 um austríaco filho de mãe polonesa e pai romeno assumiu a direção executiva da operação F-1. Desde então Toto Wolff transformou-se num dos executivos mais eficientes da história da categoria graças aos resultados obtidos e à maneira eficiente como mantém seus colaboradores motivados. Entre outras coisas, sempre escolhe um subordinado para receber o troféu de equipe vencedora e consegue transmitir a sensação de liberdade à sua equipe de box sem jamais perder a autoridade.

Lawrence Stroll (E) fez o filho Lance chegar na F-1 e  quer consagrar sua equipe. Foto: Racing Point.

Tal como Wolff, Lawrence Stroll também viveu períodos de forte ligação com a equipe Williams; as chances de se tornar um investidor maior no time de Grove existiram para ambos, atualmente ligados por interesses na Aston Martin, onde o canadense é o acionista majoritário e o austríaco tem participação simbólica. Disposto a ir muito além da figura do pai milionário que conseguiu transformar seu filho Lance em um piloto de F-1, Stroll adquiriu a Force India do falido Vijay Mallya e a passos largos transforma a equipe baseada em frente ao portão principal de Silverstone em um time de primeira linha.

Atualmente o futuro de Vettel na F-1 passa pelos carros da Racing Point. Foto:  Ferrari/Racing Point.

Este ano Lawrence Stroll convenceu Tobias Moers, a trocar a da direção da AMG (divisão da Mercedes para modelos de alta performance) pela Aston Martin, onde a fábrica alemã, tem participação acionária. Há dois anos a marca inglesa apoia a Red Bull, acordo que, obviamente não será renovado já que o nome Racing Point será trocado por...Aston Martin. Se Wolff convenceu, com uma boa ajuda de Niki Lauda, Lewis Hamilton a trocar a McLaren pela Mercedes, Stroll não poupa esforços para fazer algo semelhante com Sebastian Vettel, apostando que o piloto alemão não teria chance melhor se realmente quiser permanecer na F-1 em 2021. As chances de que isso aconteça são maiores que razoáveis.

Mecânicos da Red Bull celebraram o segundo lugar de Verstappen como uma vitória. Foto: Red Bull.

Se a Racing Point trabalha nos bastidores para suplantar a Red Bull como segunda força da categoria, no último domingo esta última mostrou publicamente que tem um exército leal e motivado. Ao alinhar para o GP da Hungria (resultados aqui) Max Verstappen saiu da pista e danificou bastante a suspensão dianteira esquerda do seu carro. Em cerca de 20 minutos os mecânicos da equipe conseguiram completar no grid de largada um reparo que, de acordo com Christian Horner, tomaria cerca de hora e meia em situação normal. O segundo lugar obtido pelo holandês ao final da prova foi uma verdadeira vitória para o time e foi um show à parte que você pode assistir aqui, em vídeo da Fórmula 1.

Carlos Sainz (C) e Charles Leclerc, experiência versus arrojo na Ferrari em 21. Foto: McLaren/Ferrari.

Na pista, a competição entre novos pilotos também ajuda a aumentar a expectativa pelas próximas corridas e até para o que está por vir na próxima temporada. Em uma temporada onde as formações do ano seguinte são anunciadas com ineditismo precoce já se pode antever situações que prometem boas disputas. Ao prestígio que Charles Leclerc desfruta na Ferrari, sua experiência atual de 45 GPS significa 60 largadas a menos que Carlos Sainz, seu futuro companheiro de equipe em 2021. Verdade que o monegasco tem resultados mais expressivos, mas o espanhol jamais teve um carro competitivo como o Ferrari de 2019 e não se sabe se a Scuderia conseguirá transformar o SF1000 de 2020 em uma fênix. Nessas condições, os quilômetros rodados que Sainz se encaixam melhor em tal cenário.

Andreas Seidl (E) e Zak Brown terão que ser criativos para montar carro de 2021. Foto: McLaren.

Cenário semelhante deve acontecer na McLaren, onde a juventude exuberante de Lando Norris vai contrastar com a experiência do já veterano Daniel Ricciardo. A Renault dará lugar à Mercedes num processo que vai ocorrer em um quadro peculiar: para amenizar as consequências de uma temporada de baixo faturamento os carros deste ano deverão ser usados em 2021. Posto que um chassi de F-1 é projetado levando em conta as necessidades de refrigeração e as exigências de instalação do motor, o bom momento que a McLaren vive este ano pode esvanecer no ano que vem por causa dessa mudança.

Ver como Lawrence Stroll coordena a consolidação da sua equipe, identificar como a Red Bull vai compensar a perda da Aston Martin, conferir o caminho acidentado que a Ferrari tem à frente e descobrir se Zak Brown e Andreas Seidl conseguirão superar seus obstáculos imediatos são motivos suficientes para seguir acompanhando a temporada, não importa o que aconteça com a Mercedes. Aliás, Toto Wolff já avisou que apesar de toda a vantagem da sua turma “uma etapa sem marcar pontos e a coisa fica complicada”. Em outras palavras, não dá para contar com o troféu que está no pódio do próximo GP.


* Wagner Gonzalez é jornalista especializado em automobilismo de competição, acompanhou mais de 350 grandes prêmios de F-1 em quase duas décadas vivendo na Europa. Lá, trabalhou para a BBC World Service, O Estado de S. Paulo, Sport Nippon, Telefe TV, Zero Hora, além de ter atuado na Comissão de Imprensa da FIA. Atualmente é diretor de redação do site Motores Clássicos. Siga o Beegola pelo InstagramFale com o Wagner Gonzalez: wagner@beepress.com.br.


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terça-feira, 7 de julho de 2020

CONVERSA DE PISTA
Por Wagner Gonzalez*

F-1 ÁUSTRIA: INÍCIO MELHOR QUE O ESPERADO

Apesar do atraso de quatro meses para a abertura da temporada até que valeu a pena esperar: o GP da Áustria mostrou uma F-1 com novatos se destacando, um número surpreendente de quebras e abandonos e várias dúvidas sobre o desempenho relativamente equilibrado de várias equipes.


Bottas começou o ano com pole, vitória e segunda volta mais rápida da prova. Foto: Mercedes.

Os 4.318 metros de Spielberg são cobertos em pouco mais de um minuto, o que mitiga as diferenças entre um carro e outro, ainda que se possa admitir que a equipe Mercedes continua como régua para medir o desempenho dos rivais, o que se comprova pela atuação dominante do vencedor Valtteri Bottas (foto de abertura/Mercedes). No que toca aos pilotos, houve boas disputas e um polêmico acidente envolvendo o hexa-campeão Lewis Hamilton e o novato Alex Albon. Tal qual ocorreu em Interlagos no ano passado, o anglo tailandês levou a pior. Com disputas, acidentes, e surpresas o balanço do que se viu na pista foi melhor do que o esperado.

Estáticos desde os testes de pré-temporada que aconteceram no início de março em Barcelona, os F-1 geração 2020 chegaram em Spielberg sem a poeira que tanto tempo parado e cobertos por muitas interrogações sobre o desempenho que apresentariam em dois dias de treinos e hora e meia de corrida. Alguns traziam mais que pintura nova (caso da Mercedes, agora identificada pelos flechas de carbono e não mais flechas de prata), outros a esperança de ter mais potência e resistência (como os equipados com motores Honda e Renault), enquanto alguns sofriam com uma defasagem decepcionante: os Alfa Romeo, Ferrari e Haas foram mais lentos que no ano passado, o que reforçou a tese que o motor 065 de Maranello tinha algo “estranho” em 2019.

No mapa de Spielberg as indicações de Setores (S1 e S2) e a identificação de cada curva em azul. Foto: FIA.

Enquanto as demais equipes melhoraram, inclusive a Williams, a esquadra italiana viu seus carros andarem exatos 920/1000 mais lentos se comparados os tempos de Charles Leclerc na classificação em 2019 (pole position, 1’3”003) e 2020 (7º, 1’3”923). Em termos de velocidade máxima, os carros de Maranello cruzavam a linha de chegada a 327,9 km/h em 2019 e 323,8 km/h em 2020. No final do setor 1 (veja localização no mapa acima) esses índices foram, respectivamente, 326,7 km/h e 328,0 km/h e no setor 2, 244,3 km/h e 243,5 km/h, na mesma ordem. Tais índices mostram que mais do que “chão” também falta “polenta”... Por tudo isso, o segundo lugar de Charles Leclerc foi uma boa combinação da determinação do monegasco com uma generosa dose de sorte.

Perseverança e uma boa dose de sorte premiaram Leclerc e a Ferrari. Foto: Ferrari

Outro fato importante foi a disputa entre Lewis Hamilton e Alex Albon. Se o box da Mercedes avisava aos seus pilotos para evitar zebras e tomar cuidado com o superaquecimento da caixa de câmbio, na volta 51 o da Red Bull devolveu o anglo-tailandês à pista com pneus macios usados. Essa vantagem incontestável em comparação com Hamilton e Bottas, que na mesma volta receberam um jogo novo de composto duro, dava boas chances a Albon. Ocorre que um hexa-campeão ser ultrapassado por fora por qualquer piloto, fosse como ocorreu na curva 4 (localize no mapa acima pelos números em azul) ou em qualquer outra, dificilmente seria uma manobra que terminaria sem vítimas.

A sequência do choque entre Hamilton e Albon vista pela TV. Foto: Formula 1.com.

O que se viu foi a repetição do incidente entre ambos em Interlagos 2019. Nas fotos acima e abaixo é possível comparar as posições dos dois carros em ângulos diferentes. Não tardou muito e os comissários desportivos penalizaram Hamilton com cinco segundos no tempo total de prova e dois pontos em sua carteira, que agora tem sete.

 A mesma cena vista pela câmera do carro de Hamilton. Foto: Formula1.com.

O incidente/acidente serviu para jogar mais gasolina na fogueira que começou a arder no arraial de Toto Wolff e Christian Donner. O primeiro não se conformou com a pressão que o segundo fez sobre os comissários desportivos na manhã de domingo e que relegou Hamilton do segundo lugar no grid para quinto e já sinalizou que vai dar o troco. As diferenças entre ambos não terminam na pista: Wolff volta e meia é citado com interesses diretos e indiretos na Aston Martin e na Racing Point, que no ano que vem assume a condição de equipe oficial da marca inglesa. Detalhe: há anos a fábrica de esportivos premium é parceira da Red Bull comandada por Horner e as duas empresas chegaram a desenvolver um superesportivo projetado por Adrian Newey, casamento interrompido na sequência do acordo entre a Racing Point e a Aston Martin.

Toto Wollf (E) e Christian Horner: grandes batalhas à frente. Foto: Mercedes/Red Bull Content Pool.

Enquanto os dois chefes de equipe mais poderosos da F-1 atual se digladiam e a Ferrari desce a ladeira, equipes há anos relegadas à condição de coadjuvantes mostravam melhoras. Destaque maior para McLaren, que viu Lando Norris surpreender na classificação (com a punição de Hamilton largou em terceiro) e na corrida conseguiu receber a bandeirada menos de cinco segundos depois de Hamilton. Pelo rádio seu engenheiro deu a deixa para garantir o terceiro lugar. “Pressione o botão de ultrapassagem por cinco segundos na saída da curva 8. Na curva 9 faça a mesma coisa”. Deu certo: Lando completou a volta em 1’7”475 e garantiu 198/1000 de vantagem sobre Lewis que, certamente, não teve o fim de semana que esperava quando largou em busca de mais uma vitória e voltou para casa com um quarto lugar e o orgulho arranhado.

Lando Norris: primeiro pódio após 22 largadas indica seu enorme potencial. Foto: McLaren.

Bem menos feliz foi o fim de semana da equipe Haas. Além de sofrer com a potência reduzida do motor Ferrari 065 de especificação 2020, os carros da equipe americana voltaram a ter problemas de freio. Os discos de carbono devem funcionar em uma faixa de temperatura específica: quando frios praticamente não freiam, superaquecidos perdem massa e eficiência. Sem refrigeração adequada para esse equipamento os carros de Roman Grosjean e Kevin Magnussen acabaram abandonando a prova, o que provocou um triste revival da temporada passada, quando esse problema colocou muitas pedras no caminho do time de Gene Haas. “Nossos pilotos acreditam que nosso carro é competitivo, mas tivemos problemas de freio em ambos e precisamos trabalhar duto para sanar corrigir isso. E é o que faremos.”

Grosjean e Magnussen: freios superaquecidos pararam a corrida de ambos. Foto: Haas F1 Team.

O resultado completo do GP da Áustria e as posições no campeonato de pilotos e construtores você encontra aqui.

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terça-feira, 30 de junho de 2020

CONVERSA DE PISTA.
Por Wagner Gonzalez*

F-1 2020 VOLTA ATÉ DEBAIXO D'ÁGUA

Início tardio da temporada de F-1 pode levar os mais supersticiosos a pensar em mandinga: três equipes já anunciaram trocas de pilotos, as dez primeiras etapas do ano foram canceladas ou adiadas, o início das atividades pode acontecer sob chuva e a F-1 rompe de vez com Bernie Ecclestone.


Meteorologia da Áustria prevê chuvas na volta sem Bernie Ecclestone

Uma olhada no cenário do início da temporada de Fórmula 1 pode levar os mais supersticiosos a pensar em mandinga: três das 10 equipes já anunciaram trocas de pilotos para um campeonato cujas dez primeiras etapas foram canceladas ou adiadas e o início das atividades pode acontecer sob chuva. Não bastasse tudo isso o GP da Áustria , domingo, em Spielberg (foto de abertura/Red Pool-Getty Images) marca uma nova fase na história da categoria: será o primeiro evento sem qualquer ligação oficial com Bernie Ecclestone, o inglês que durante as últimas cinco décadas consolidou a modalidade como um dos maiores eventos do planeta.

Atividade extremamente técnica a ponto de empregar o maior número de engenheiros por metro quadrado de autódromo, a F-1 começa a viver na Áustria muito mais que o 71º campeonato mundial de sua história. Com restrições severas com relação às únicas pessoas admitidas no autódromo, a corrida em Spielberg terá que comprovar que o protocolo sanitário em prática é funcional; um resultado positivo dará sinal verde para as demais sete provas já confirmadas e facilitará a divulgação de outras etapas. Mais: se o trabalho não for prejudicado certamente haverá cortes permanentes no número de pessoas que cada equipe envia a cada GP. Estima-se que os gastos de viagens, estadias, alimentação, seguro e uniforme de cada integrante da equipe varie entre US$ 80 mil e US$ 100 mil por ano. Em época de vacas e calendário magros e entrada em vigor de limite de gastos em 2021 (US$ 145 milhões) o Covid-19 é um bode expiatório por excelência.

Equipes da casa, Red Bull e AlphaTauri terão novo motor especial da Honda. Foto: RBCP/Getty Images.

Nos boxes do circuito da Styria não faltarão novidades: a Honda, por exemplo, entregou motores de última geração para seus dois clientes, por acaso duas equipes que em última análise pertencem ao mesmo proprietário do autódromo, o bilionário austríaco Dietrich Mateschitz. A Renault também vem com melhoramentos desenvolvidos em computadores e a Brembo desenvolveu discos de freios dianteiros que possuem entre 800, 1.250 ou 1.480 furos para ajuda a dissipar o calor gerado nas freadas. Num fim de semana de temperaturas amenas para o verão austríaco deverá ser usada especificação média em conjunto com discos traseiros com 800 furos; estes últimos podem têm uma versão com 1.250 perfurações que, em todos os casos, podem ser vistas na secção que corresponde à banda de rodagem de um pneu.

Nova pintura transforma os flechas de prata da Mercedes em flechas de carbono. Foto: Mercedes

Tecnicamente o asfalto local é um elemento que se espalha por um traçado liso em 4.218 metros de subidas, descidas, três freadas consideráveis e apenas uma curva de baixa velocidade nas montanhas da Styria, ao lado de um vale onde funciona um aeródromo militar. Uma volta em Spielberg percurso dura pouco entre 67 e 68 segundos, tempo comparável aos anotados em Interlagos. No que toca ao desgaste dos pneus – disponíveis em compostos duro, médio e macio – o ponto nevrálgico é o esforço nas frenagens; tração esforço lateral e carga aerodinâmica são outros pontos que demandam atenção para que se faça apenas uma troca nas 71 voltas da prova.

Vettel (E), Sainz e Ricciardo mudam de endereço em 2020. Foto: Ferrari/McLaren/Renault.

Três das cinco equipes principais já anunciaram mudanças importantes em suas formações para 2021, situação que terá impacto direto nas disputas desta temporada: a Ferrari optou por dispensar Sebastian Vettel e contratar Carlos Sainz Jr, cujo lugar na McLaren será ocupado por Daniel Ricciardo, atualmente na Renault. Pode-se esperar boas performances do alemão, que correrá sem pressão, circunstância que representa perigo para o atual queridinho de Maranello, Charles Leclerc. McLaren e Renault já informaram claro que Sainz Jr e Ricciardo terão tratamento igual aos seus companheiros deste ano, respectivamente lando Norris e Estebán Ocón. Vale a pena conferir. Mercedes e Red Bull ainda não bateram o martelo sobre a continuidade de Valtteri Bottas e Alex Albon: se o anglo-tailandês está perto de ser confirmado, o finlandês nem tanto.

Leclerc (E), Norris e Ocón:nomes a acompanhar com atenção. Foto:  Ferrari/McLaren/Renault.

Se este ano o mercado de pilotos foi movimentado de forma intensa e fora de época, o que dizer dos bastidores? Enquanto FIA, Liberty Media e pilotos como Lewis Hamilton e Daniel Ricciardo clamam por atitudes que contemplem a igualdade sem distinção de qualquer espécie, a Mercedes e Bernie Ecclestone tornaram-se trending topics neste início de semana. Como que a confirmar que seu discurso contra preconceitos de qualquer espécie o time alemão optou por pintar de preto seus flechas de prata; já Bernie Ecclestone emitiu opiniões que bateram de frente com os discursos de Hamilton e da Liberty e acabou descobrindo que seu cargo de presidente de honra da F-1 caducou em janeiro passado.

Ecclestone (E) e Carey: ícones da maior ruptura na história da categoria. Foto:  GPFans/Formula1.

Coincidência ou não é a data na qual expirou seu período de quarentena pessoal: a venda os direitos comerciais da categoria para a empresa norte-americana, em 2017, garantiu a ele três anos de salários para ser o que ele mesmo chamou de "rainha da Inglaterra da F-1": tinha o título mas não mandava em coisa alguma. A partir de agora, Ecclestone só deverá ter acesso a algum circuito se algum amigo dono de equipe ou muito poderoso o convidar para assistir uma prova. Há controvérsias se alguém estaria disposto a isso correndo o risco de provocar Chase Carey, o CEO da Liberty Media e é quem manda agora. Seu prestígio pode ser medido pelo empréstimo que a categoria conseguiu junto à holding controladora dessa empresa: US$ 2,9 bilhões foram liberados para enfrentar a queda de receita deste ano e ter fôlego para enfrentar 2021 e pagamentos que só começam em janeiro de 2022.

Mugello e Portimão próximos de serem confirmados


Os circuitos de Mugello, na Itália, e Portimão, em Portugal, deverão ser confirmados nos próximos dias como outras duas etapas desta temporada. Um movimento para incluir Imola como sede de uma terceira prova no território italiano nessa lista chegou a ser ensaiado, mas ontem a prefeitura da cidade praticamente encerrou as negociações para levar a F-1 de volta ao Autódromo Enzo e Dino Ferrari. Ao interditar quaisquer atividades nessa pista durante os meses de julho e agosto, inclusive eventos que já estavam confirmados e anunciados, causou revolta na região que, nesta época do ano, recebe um bom número de turistas. O GP do Brasil, previsto para 15 de novembro, ainda não foi confirmado. Caso isso aconteça é possível que a data seja antecipada em uma semana. A relação cada vez mais conturbada entre a Liberty Media e Bernie Ecclestone, porém, colabora para que o País possa ficar fora do calendário deste ano.


* Wagner Gonzalez é jornalista especializado em automobilismo de competição, acompanhou mais de 350 grandes prêmios de F-1 em quase duas décadas vivendo na Europa. Lá, trabalhou para a BBC World Service, O Estado de S. Paulo, Sport Nippon, Telefe TV, Zero Hora, além de ter atuado na Comissão de Imprensa da FIA. Atualmente é diretor de redação do site Motores Clássicos. Siga o Beegola pelo InstagramFale com o Wagner Gonzalez: wagner@beepress.com.br.


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terça-feira, 23 de junho de 2020

CONVERSA DE PISTA
Por Wagner Gonzalez*

AUTOMOBILISMO VIVE MUDANÇAS INVOLUNTÁRIAS

Não faz muito tempo seria difícil imaginar que uma pandemia e um ato bárbaro acontecido na cidade de Minnesota pudessem causar tamanha repercussão dentro de autódromos. A F-1 anunciou ontem uma campanha para difundir a inclusão social e nos EUA o FBI investiga episódio no box de Bubba Wallace.


F-1 lança campanha para reposicionar sua imagem como categoria de igualdade social. Foto: Formula1.com.

Não faz muito tempo seria difícil imaginar que uma pandemia e um ato bárbaro acontecido na cidade de Minnesota pudessem causar tamanha repercussão dentro de autódromos. Categoria historicamente refratária à temas de comportamento social, a F-1 anunciou ontem uma campanha para difundir sua nova imagem institucional com na inclusão. Nos Estados Unidos o FBI (Agência Federal de Investigação) foi chamado a investigar um fato certamente inédito: durante a etapa de Talladega, disputada ontem, uma forca foi encontrada no box de Bubba Wallace, único piloto negro dessa especialidade.

Nascar criou hashtag após ato de racismo contra Wallace em Talladega. Foto: Nascar/Getty Images.

O ambiente em um paddock de F-1 sempre exalou uma mescla de cores e aromas que se combinam numa amálgama que gera oportunidades para imagens exaltadas pelas câmeras de cinegrafistas e fotógrafos. Nesse processo, palacetes montados sobre enormes reboques recebem mortais ansiosos por virar celebridades enquanto se misturam a celebridades que preferem disfarçar, até esconder, a realidade suntuosa que vivem fora dali. Detalhes mundanos como leis trabalhistas e décimo-terceiro salário são temas que jamais são credenciados para circular nesse espaço.

Halo dos carros promovem nova imagem da F-1 a partir do GP da Áustria. Foto: McLaren.

Forçada a interromper um dos seus atrativos comerciais mais fortes, apresentar-se quinzenalmente pelo mundo entre março e novembro, a forma mais exuberante do automobilismo mundial ensaia seu regresso dentro de novos parâmetros. Sem convidados selecionados para gerar cliques e com arquibancadas vazias, buscou-se um artifício para gerar impressões e construir uma imagem mais palatável aos padrões do socialmente correto de nossos dias: no GP da Áustria, dia 5 de julho, carros e painéis ao longo da pista levarão a mensagem "WeRaceAsOne" obviamente acompanhada de uma hashtag.

O conteúdo implícito nessa frase remete a algo do tipo "aqui não se vê cara nem coração, somos todos iguais", ou seja nega-se o racismo e outros preconceitos como os de gênero e origem. A Liberty Media (proprietária dos direitos comerciais da F-1) e a Federação Internacional do Automóvel (FIA) insistem que a proposta não tem prazo de validade e será reforçada ao longo dos próximos meses. Nada mais justo: não se transforma um mercado de trabalho há sete décadas dominado por homens brancos do dia para a noite, muito menos de um GP na Áustria para outro na Hungria, uma quinzena mais tarde.

Comissão Hamilton foca na inclusão e educação de negros. Foto: Formula1.com.

Detentor se seis títulos mundiais na F-1, o inglês Lewis Hamilton embarcou nessa movida com algumas voltas de atraso em relação a outros esportistas negros, em particular norte-americanos. No fim de semana anunciou o lançamento da Comissão Hamilton horas antes de participar de um protesto que celebrou o movimento "Black Lives Matter" nas ruas de Londres. Sua proposta foca no engajamento de mais negros em temas como ciências, tecnologia, engenharia e matemática, algo também em voga e identificado pela sigla em inglês, STEM.

Richard Petty abandonou isolamento para prestigiar seu pupilo Wallace. Foto:  Nascar/Getty Images.

O fato mais contundente das mudanças que são cobradas no momento aconteceu nos Estados Unidos, mais especificamente, no box de Bubba Wallace, piloto de ponta da Nascar, modalidade que se consolidou na região mais segregacionista dos EUA. Dois fatos lastimáveis construíram um cenário que levou os dirigentes da categoria a banir a exibição da bandeira dos estados confederados que identifica essa área. No primeiro deles Kyle Larson usou um insulto racista contra um rival durante uma corrida virtual ("Você não consegue me ouvir, negro?") e acabou despedido da equipe Chip Ganassi. Semanas mais tarde o inaceitável assassinato de George Floyd, asfixiado pelo policial de Minneapolis Derek Chauvin, provocou uma onda inédita de protestos por inúmeras cidades norte-americanas, fenômeno que no domingo alcançou a categoria automobilística mais popular dos Estados Unidos. Para tratar de temas envolvendo esses acontecimentos Brandon Thompson foi anunciado, há uma semana, como vice-presidente para assuntos como diversidade e inclusão.

Equipes escoltaram carro de Wallace na formação do grid em Talladega. Foto:  Nascar/Getty Images.

Neste fim de semana foi encontrada uma forca no box da equipe de Wallace que disputava uma prova em Talladega, cidade localizada no estado do Alabama. O fato repercutiu de forma ampla, geral e irrestrita: aos 82 anos de idade Richard Petty – o maior vencedor da categoria- abandonou seu isolamento coercitivo e foi ao circuito solidarizar-se com o piloto que defende seu time; mais, todas as equipes escoltaram o carro 43 no processo de formação do grid de largada. Ato contínuo, mais uma ˆhashtag" foi criada para divulgar a palavra de ordem "I stand with Bubba"( "Eu estou com o Bubba). Para reforçar a seriedade de proprósito em acabar com o racismo,  Steve Phelps, presidente da Nascar, admitiu que uma vez descoberto quem deixou a forca na garagem de Wallace será banido para sempre da categoria.  Seja quem for, as chances de ser descoberto são grandes: a agência federal convocada para descobrir o autor da asneira tem fama de levar a sério seu trabalho.

Na McLaren o problema é $


Há alguns meses Zak Brown, CEO da McLaren, vem fomentando o processo de instituir limites de gastos na F-1, algo que culminou com a introdução de um teto orçamentário 2021 estipulado em US$ 145 milhões por equipe (cerca de R$ 762 milhões ao câmbio de 22/6/2020). O que não se esperava é que a situação da sua empresa estivesse tão ruim a ponto de estabelecer mecanismos legais para garantir novos empréstimos e evitar que bancos e instituições financeiras possam executar dívidas ainda em período de amortização. Já se fala que até o dia 17 de julho será necessária uma injeção £112,8 milhões (aproximadamente R$740 milhões) para cobrir as perdas geradas pelos fracos resultados no Mundial de F-1 e a queda nas vendas e encomendas dos seus carros de rua.

McLaren procura investidor e credores rejeitam hipoteca da sede da fábrica. Foto:  McLaren.

Segundo a BBC, um grupo de credores se opõe ao uso da coleção de carros de corrida e seu centro tecnológico como garantias de um novo empréstimo alegando que esses bens já estão comprometidos em outras operações financeiras. A situação ganha ares mais pesados quando se nota que recentemente o grupo anunciou o corte de 1.200 vagas e viu rejeitado sua demanda de assistência financeira do governo britânico para empresas afetadas pelo Covid-19. Fica no ar se a recente mudança de Daniel Ricciardo trocar a Renault pela McLaren não se transforme em outra decisão que prejudicará a carreira do australiano.


* Wagner Gonzalez é jornalista especializado em automobilismo de competição, acompanhou mais de 350 grandes prêmios de F-1 em quase duas décadas vivendo na Europa. Lá, trabalhou para a BBC World Service, O Estado de S. Paulo, Sport Nippon, Telefe TV, Zero Hora, além de ter atuado na Comissão de Imprensa da FIA. Atualmente é diretor de redação do site Motores ClássicosTwitter: InstagramFale com o Wagner Gonzalez: wagner@beepress.com.br.


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