terça-feira, 21 de julho de 2020

CONVERSA DE PISTA.
Por Wagner Gonzalez*

MAIS DO MESMO E DIFERENTE

Soa contraditório afirmar que a F-1 2020 está interessante e cheia de desafios. Se a equipe Mercedes venceu as três provas já realizadas e soma 121 pontos de um máximo de 129, seus adversários não estão parados.

Mercedes domina e rivais mostram força e capacidade


Lewis Hamilton dominou o GP da Hungria e assumiu a liderança do campeonato. Foto: Mercedes.

Soa contraditório afirmar que a F-1 2020 está interessante e cheia de desafios. Se os pilotos da equipe Mercedes, Lewis Hamilton e Valtteri Bottas, são os únicos vencedores das três provas já realizadas e o time alemão soma 121 pontos de um máximo de 129, seus adversários não estão parados. Há desde empresários de sucesso trabalhando para emular as conquistas de Toto Wolff, novos pilotos caminhando para se tornar os novos astros da categoria e até mecânicos mostrando que a paixão move montanhas e conserta carros até mesmo no asfalto molhado do grid de largada. Tudo isso em uma temporada que sequer tem um calendário definitivo e após três GPs disputados em três fins de semana consecutivos interrompe essa movida para repetir a dose a partir de 2 de agosto.

A Mercedes domina a F-1 há seis temporadas, consequência de um processo iniciado em 1991, quando Mario Illien e Paul Morgan, os donos da Ilmor, passaram a desenvolver o motor 2175A, um V-10 aspirado usado inicialmente pela Leyton House e adotado pela Sauber em 1993, cujos carros a essa altura levavam a inscrição “Concept by Mercedes-Benz”. Entre idas e vindas, os alemães associaram-se à McLaren e no biênio 1998/9 essa combinação deu o carro vencedor ao campeão Mika Häkkinen, resultado repetido em 2008 com Lewis Hamilton.

Toto Wolff é o arquiteto do domínio da Mercedes e tem ações na Aston Martin. Foto:  Mercedes.

Um período de incertezas levou à reformulação do projeto e em 2013 um austríaco filho de mãe polonesa e pai romeno assumiu a direção executiva da operação F-1. Desde então Toto Wolff transformou-se num dos executivos mais eficientes da história da categoria graças aos resultados obtidos e à maneira eficiente como mantém seus colaboradores motivados. Entre outras coisas, sempre escolhe um subordinado para receber o troféu de equipe vencedora e consegue transmitir a sensação de liberdade à sua equipe de box sem jamais perder a autoridade.

Lawrence Stroll (E) fez o filho Lance chegar na F-1 e  quer consagrar sua equipe. Foto: Racing Point.

Tal como Wolff, Lawrence Stroll também viveu períodos de forte ligação com a equipe Williams; as chances de se tornar um investidor maior no time de Grove existiram para ambos, atualmente ligados por interesses na Aston Martin, onde o canadense é o acionista majoritário e o austríaco tem participação simbólica. Disposto a ir muito além da figura do pai milionário que conseguiu transformar seu filho Lance em um piloto de F-1, Stroll adquiriu a Force India do falido Vijay Mallya e a passos largos transforma a equipe baseada em frente ao portão principal de Silverstone em um time de primeira linha.

Atualmente o futuro de Vettel na F-1 passa pelos carros da Racing Point. Foto:  Ferrari/Racing Point.

Este ano Lawrence Stroll convenceu Tobias Moers, a trocar a da direção da AMG (divisão da Mercedes para modelos de alta performance) pela Aston Martin, onde a fábrica alemã, tem participação acionária. Há dois anos a marca inglesa apoia a Red Bull, acordo que, obviamente não será renovado já que o nome Racing Point será trocado por...Aston Martin. Se Wolff convenceu, com uma boa ajuda de Niki Lauda, Lewis Hamilton a trocar a McLaren pela Mercedes, Stroll não poupa esforços para fazer algo semelhante com Sebastian Vettel, apostando que o piloto alemão não teria chance melhor se realmente quiser permanecer na F-1 em 2021. As chances de que isso aconteça são maiores que razoáveis.

Mecânicos da Red Bull celebraram o segundo lugar de Verstappen como uma vitória. Foto: Red Bull.

Se a Racing Point trabalha nos bastidores para suplantar a Red Bull como segunda força da categoria, no último domingo esta última mostrou publicamente que tem um exército leal e motivado. Ao alinhar para o GP da Hungria (resultados aqui) Max Verstappen saiu da pista e danificou bastante a suspensão dianteira esquerda do seu carro. Em cerca de 20 minutos os mecânicos da equipe conseguiram completar no grid de largada um reparo que, de acordo com Christian Horner, tomaria cerca de hora e meia em situação normal. O segundo lugar obtido pelo holandês ao final da prova foi uma verdadeira vitória para o time e foi um show à parte que você pode assistir aqui, em vídeo da Fórmula 1.

Carlos Sainz (C) e Charles Leclerc, experiência versus arrojo na Ferrari em 21. Foto: McLaren/Ferrari.

Na pista, a competição entre novos pilotos também ajuda a aumentar a expectativa pelas próximas corridas e até para o que está por vir na próxima temporada. Em uma temporada onde as formações do ano seguinte são anunciadas com ineditismo precoce já se pode antever situações que prometem boas disputas. Ao prestígio que Charles Leclerc desfruta na Ferrari, sua experiência atual de 45 GPS significa 60 largadas a menos que Carlos Sainz, seu futuro companheiro de equipe em 2021. Verdade que o monegasco tem resultados mais expressivos, mas o espanhol jamais teve um carro competitivo como o Ferrari de 2019 e não se sabe se a Scuderia conseguirá transformar o SF1000 de 2020 em uma fênix. Nessas condições, os quilômetros rodados que Sainz se encaixam melhor em tal cenário.

Andreas Seidl (E) e Zak Brown terão que ser criativos para montar carro de 2021. Foto: McLaren.

Cenário semelhante deve acontecer na McLaren, onde a juventude exuberante de Lando Norris vai contrastar com a experiência do já veterano Daniel Ricciardo. A Renault dará lugar à Mercedes num processo que vai ocorrer em um quadro peculiar: para amenizar as consequências de uma temporada de baixo faturamento os carros deste ano deverão ser usados em 2021. Posto que um chassi de F-1 é projetado levando em conta as necessidades de refrigeração e as exigências de instalação do motor, o bom momento que a McLaren vive este ano pode esvanecer no ano que vem por causa dessa mudança.

Ver como Lawrence Stroll coordena a consolidação da sua equipe, identificar como a Red Bull vai compensar a perda da Aston Martin, conferir o caminho acidentado que a Ferrari tem à frente e descobrir se Zak Brown e Andreas Seidl conseguirão superar seus obstáculos imediatos são motivos suficientes para seguir acompanhando a temporada, não importa o que aconteça com a Mercedes. Aliás, Toto Wolff já avisou que apesar de toda a vantagem da sua turma “uma etapa sem marcar pontos e a coisa fica complicada”. Em outras palavras, não dá para contar com o troféu que está no pódio do próximo GP.


* Wagner Gonzalez é jornalista especializado em automobilismo de competição, acompanhou mais de 350 grandes prêmios de F-1 em quase duas décadas vivendo na Europa. Lá, trabalhou para a BBC World Service, O Estado de S. Paulo, Sport Nippon, Telefe TV, Zero Hora, além de ter atuado na Comissão de Imprensa da FIA. Atualmente é diretor de redação do site Motores Clássicos. Siga o Beegola pelo InstagramFale com o Wagner Gonzalez: wagner@beepress.com.br.


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