Motor de combustão interna em jogo.
Fraude nos EUA foi a semente.
Há poucos dias o automobilismo mundial reservou odes e louvores ao desembarque de quatro marcas alemãs no reino da Fórmula E, a categoria de monopostos elétricos. Compreensível: no mundo do politicamente correto a tendência de santificar veículos que não geram gases de escapamento é moeda das mais fortes. Com intensidade que varia pouco entre Audi, BMW, Mercedes e Porsche, porém todas essas casas estão envolvidas em um processo que identificou a formação de cartel num setor basilar da economia alemã. Não fica difícil enxergar que o investimento na categoria que tem dois brasileiros campeões mundiais (Nelson Piquet Jr., 2014/15, e Lucas di Grassi, 2016/17) em três temporadas, não é mera coincidência.
Não há porque ou como negar que o automobilismo é uma ferramenta das mais eficientes para apressar o desenvolvimento de novas soluções e o aperfeiçoamento de outras já conhecidas. Mas isso não cobre a ponta do iceberg que tem algumas coordenadas comuns a outros fabricantes em especial o futuro do motor diesel, que aparente ser mais curto que o do motor a combustão interna que usa a gasolina ou etanol. A solução cada vez mais sob ataques da brigada verde é praticamente tão antiga quanto o próprio automóvel e já foi explorada em competições: a Audi desenvolveu um programa esportivo que venceu Le Mans, conquista nada desprezível. Nem os louros dessa conquista abafaram alguns inconvenientes.
Na busca da razão da chegada das quatro marcas alemãs à F-E não fica difícil encontrar ligações com o escândalo da falsificação de medições de emissões de poluentes que custou mais US$ 1,2 bilhão à VW no mercado dos Estados Unidos. Um instituto ligado à Universidade da Virgínia do Oeste analisou três automóveis – dois VW equipados com o motor 2.0 TDI e um BMW X5, equipado com motor 3.0 Turbo e descobriu que no Jetta e no Passat os índices de poluentes registrados em operação real não repetiam as medições anotadas em laboratório. O segredo para isso era um software que alterava os parâmetros da injeção de combustível ao identificar que as rodas dianteiras não mudavam de direção, situação típica do ensaio estático.
Se o X5 mostrou-se eficiente em ambas as medições, porque a BMW continua solidária à VW e à Mercedes-Benz? Não é de hoje que as três marcas são acusadas de operar um cartel abençoado pelo governo alemão, cioso dos 800 mil empregos e das divisas gerados pelo setor. Mais recentemente veio à tona o fato que os automóveis alemães movidos a diesel são equipados com tanques de ureia de dimensões semelhantes e que, segundo críticos da indústria automobilística desse país, de volume bastante inferior ao necessário para transformar os gases tóxicos em substâncias não nocivas ao meio ambiente.
Uma das palavras de ordem dos ecologistas europeus mais exacerbados é o banimento amplo, total e irrestrito do motor de combustão interna. Alguns governos, como os da França e Inglaterra, desenvolvem programas para proibir a circulação desse automóveis nos grandes centros urbanos, algo que os radicais de plantão alardeiam como a proibição da fabricação de veículos equipados com essa solução. O mesmo grupo, porém, não discute com a mesma intensidade a poluição e impacto ambiental consequentes da produção e descarte das baterias para veículos elétricos.
Todo esse cenário reverteu-se em excelente oportunidade para a Fórmula E: as competições da modalidade são realizadas em circuitos montados em cidades de proeminência internacional – onde o poder de compra da população permite consumir automóveis mais caros e seus habitantes estão expostos às mazelas e benesses das grandes concentrações urbanas. Também não é mera coincidência que os traçados usados nos eventos da F-E tem características peculiares como retas curtas e curvas fechadas, detalhes que amortizam as limitações dos carros da categoria.
Resta saber se o progresso do carro elétrico vai acompanhar a velocidade dos protótipos que andam a 350 km/h em Le Mans ou vai acontecer com as limitações da própria F-E: até agora os pilotos são obrigados a trocar de carro no meio da corrida, consequência da autonomia limitada das baterias e das dificuldades em recarrega-las. Certamente a chegada da Audi, BMW, Mercedes-Benz e Porsche entre 2017 e 1019, vai impulsionar o desenvolvimento dessa tecnologia, mas não o suficiente para mudar do dia para a noite a realidade das vantagens e demandas da malha viária criada em mais de 365 mil dias.
* Wagner Gonzalez é jornalista especializado em automobilismo de competição, acompanhou mais de 350 grandes prêmios de F-1 em quase duas décadas vivendo na Europa. Lá, trabalhou para a BBC World Service, O Estado de S. Paulo, Sport Nippon, Telefe TV, Zero Hora, além de ter atuado na Comissão de Imprensa da FIA. Atualmente é diretor de redação do site www.motoresclassicos.com.br. Twitter: @motclassicos. Fale com o Wagner Gonzalez: wagner@beepress.com.br.
Leia> Coisas de Agora.
* Wagner Gonzalez é jornalista especializado em automobilismo de competição, acompanhou mais de 350 grandes prêmios de F-1 em quase duas décadas vivendo na Europa. Lá, trabalhou para a BBC World Service, O Estado de S. Paulo, Sport Nippon, Telefe TV, Zero Hora, além de ter atuado na Comissão de Imprensa da FIA. Atualmente é diretor de redação do site www.motoresclassicos.com.br. Twitter: @motclassicos. Fale com o Wagner Gonzalez: wagner@beepress.com.br.
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