Uma particularidade do setor automotivo é a venda de bens de consumo, que, diferentemente de outros mercados, estão atrelados à uma condição prévia para sua utilização: a carteira nacional de habilitação. Pensando em entender o cenário dos habilitados no Brasil e, dessa maneira, conhecer o potencial universo de consumidores de automóveis, a Ipsos analisou a transformação do cenário de CNHs válidas no país entre os anos de 2013 e 2019.
Até 2019, o número de CNHs ativas era de aproximadamente 73,8 milhões. Este valor cresceu 24% desde 2013, um aumento expressivo em contraste ao crescimento de 4% da população brasileira. Os homens ainda são maioria em número de carteiras válidas no país, correspondendo a 65% das habilitações. Entretanto, de 2013 a 2019, 44% de um total de 14,2 milhões de novos condutores eram do sexo feminino. Ou seja, se comparado ao cenário de 2013, as mulheres aumentaram sua participação em 2,2%.
Os estados que apresentaram maiores taxas de crescimento de mulheres habilitadas foram, em ordem crescente: Tocantins, Rondônia, Goiás, Espírito Santo e Acre. Apesar disto, Distrito Federal e São Paulo ainda possuem a maior proporção de motoristas do sexo feminino. As localidades com menor desigualdade de gênero entre habilitados são também, salvo raras exceções, as que possuem os maiores IDHs, mostrou o levantamento.
“BabyUbers” e o desinteresse da juventude na CNH
A distribuição de habilitados entre as regiões brasileiras se manteve constante no decorrer dos anos. O Sudeste continua com a maior concentração de CNHs do país: o estado de São Paulo, apenas, conta com 31% do total de carteiras de habilitação. De 2013 a 2019, entretanto, São Paulo registrou uma queda de 1,1 p.p. em sua participação, o que corresponde a 800 mil habilitados a menos do que o esperado. Uma provável razão é o surgimento da Uber neste meio tempo, em 2014. Em 2016, a cidade de São Paulo conquistou o posto da que mais usa o serviço de transporte no mundo.
A Uber e outros serviços de transporte por aplicativo que surgiram nos anos seguintes também provocaram uma flutuação na distribuição etária dos habilitados. A Ipsos cunhou o termo “BabyUbers” para definir os motoristas que chegaram à maioridade quando já existiam os serviços de aplicativo, ou seja, os nascidos de 1996 até 2002. A participação destes no número de CNHs válidas caiu 3%, sendo -1,3% entre 18 a 21 anos e -1,6% entre 22 a 25.
Além disso, o número de CNHs cai de forma mais drástica na parcela dos que têm entre 26 a 30 anos, em 2,3 p.p. Outras hipóteses para a queda, além do transporte por aplicativo, são às mudanças da “geração canguru”, onde os jovens postergam a saída da casa dos pais e a própria maternidade/paternidade. Sem mudanças em seus estilos de vida, com a praticidade de locomoção provocada pelos transportes por apps e sem a necessidade do alto custo de um veículo próprio, optam por dirigir cada vez mais tarde.
Quem dirige o quê?
Ao contrário do que aconteceu nas faixas de idade mais jovens, houve um leve aumento de habilitados nos grupos mais velhos, com crescimentos observados nas faixas de idade entre 61 a 70 (+1,9%) e 71 a 80 anos (+1,2%). As possíveis razões para esta mudança, segundo a Ipsos, são que os idosos ganharam maior qualidade de vida e consequente longevidade. Além disso, atualmente o mercado automobilístico oferece veículos com tecnologias assistivas, como câmera de ré, sensor de estacionamento e câmbio automático, que trazer maior facilidade ao dirigir.
Em relação às categorias de CNH, a análise mostrou que as mais frequentes são B (carros), com 48%, e AB (carros e motos), com 33%. O segundo tipo apresentou um crescimento de 5% desde o ano de 2013, sem diferenças entre as regiões do país. Um destaque no número de habilitados para motocicletas cabe ao Nordeste, possivelmente pela facilidade em arcar com os custos do veículo, além de também ser uma das regiões brasileiras, junto ao Centro-Oeste, em que o serviço de mototáxi é essencial devido às deficientes infraestruturas de transporte público.
As CNHs para direção de veículos de grande porte, caminhões e ônibus sofreram uma queda em suas participações totais. O declínio, no entanto, foi menos acentuado em relação ao sexo feminino, o que significa que a distribuição está se tornando um pouco mais igualitária entre os gêneros.
Cenário pós-pandemia: futuro incerto para a mobilidade
Não é esperado, em 2020, um crescimento nos moldes dos anos anteriores, prevê a análise da Ipsos. A paralisação dos serviços não essenciais devido à pandemia de Covid-19 fez com que os órgãos estaduais de trânsito fechassem, atrasando procedimentos como emissão e renovação - nos casos que necessitam de atendimento presencial para mudança de informações - de CNHs. Os novos condutores adiarão suas aulas na autoescola, primeiro por estarem fechadas, e, depois, pelo serviço impossibilitar o distanciamento.
De acordo com o módulo #0 do estudo Ipsos Automotive Navigator, “Impacto da Covid-19 no cenário automotivo e de mobilidade”, o uso geral dos meios de transportes já diminuiu. As quedas menos bruscas correspondem ao carro e motocicleta particulares, o que mostra uma tendência na escolha de meios de transporte individuais. As gerações Y e Z, mais jovens, foram as mais impactadas e, como são as que estão dirigindo menos, tiveram que adaptar sua mobilidade de forma a evitar transportes compartilhados.
Como 60% dos brasileiros sofreram alguma mudança em seu trabalho e renda, segundo estudo da Ipsos, a retomada da indústria automotiva deve ser lenta. É provável que os consumidores, que já estão preferindo tirar CNHs tipo AB, se direcionem às motocicletas antes dos automóveis, devido ao custo mais baixo. Quase metade dos consumidores brasileiros estão menos propensos a comprar um veículo em relação a antes da pandemia, e a maioria destes não acredita que seja um bom momento ou que seja algo economicamente viável. A pandemia de Covid-19 já deixou seu impacto significativo no mercado automobilístico e no segmento da mobilidade.
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