CIRCUITOS DE RUA: MACAU EM DESTAQUE
Prova de F-3 foi marcada por acidente espetacular de Sophia Flörsch
Todo o empenho em promover o esporte e explorar todas as possibilidades que um evento de grandes possibilidades oferece é sempre trucidado pela opinião pública quando o inevitável dá as caras. O acidente envolvendo a alemã Sophia Flörsch na quarta volta do GP de F-3 de Macau, há anos a corrida mais importante da categoria em todo o mundo, foi o estopim para que temas como segurança e circuitos de rua fossem novamente explorados em viés nem sempre sensato. O que merece atenção neste momento, além da óbvia recuperação daqueles fisicamente atingidos, são a investigação da dinâmica do acidente e trabalhar para que futuras situações semelhantes tenham consequências menores em todos os sentidos.
O Circuito da Guia mede 6.115 metros e se espalha pelo antigo protetorado português na baía de Hong Kong |
Antigo enclave português situado em uma ilha bastante próxima a Hong Kong, Macau ganhou notoriedade internacional graças a Teddy Yip (1907-2003), um empresário do ramo de entretenimento que era fanático pelo automobilismo a ponto de financiar a carreira de vários pilotos e ter tido sua própria equipe de F-1, a Theodore Racing. Seu entusiasmo sempre foi a mola mestra para o governo local promover um festival de que reúne carros das categorias Fórmula, GT e Turismo, além de motos, para disputas no peculiar Circuito da Guia. Traçado que mede 6,2 km por avenidas largas e ruas incrivelmente estreitas, sua maior característica é a curva Melco, tão fechada que, não raramente, vê-se pilotos dando marcha-a-ré para poder seguir viagem.
Teddy Yip, ao lado de Ayrton Senna, vencedor do GP de 1993. Maurício Gugelmin triunfou em 1995 (Arquivo Pessoal) |
Apesar de todo o esforço e empenho dos seus organizadores, as condições gerais não podem ser consideradas como de "estado da arte", reflexo das possibilidades financeiras de Macau e da própria topografia local. É lícito comparar o Circuito da Guia ao da Ilha de Mann, o verdadeiro graal dos motociclistas puros. Da mesma forma, isso não dá em hipótese alguma carta branca para que a segurança de competidores, espectadores e profissionais do esporte sejam expostos a condições de segurança de menor nível.
Dentro desse quadro, o que merece ser repensado com muita atenção é a exploração cada vez maior do uso da aerodinâmica em automóveis de alto desempenho, sejam ele de competição ou de uso nas ruas e estradas abertas ao público. Projetados para explorar tal ciência quando operados em pisos ideais – ou seja, lisos e planos como uma mesa de bilhar -, a aderência ao solo desses veículos pode se transformar em catapulta em consequência dos desníveis e ondulações que permeiam as vias de trânsito. Em um mundo onde o funcionamento de carros semiautônomos depende da padronização de marcações das faixas de rolamento e dimensões e instalações de sinais de trânsito até mesmo em países ditos do primeiro mundo é difícil encontrar tal cenário de maneira abrangente. Encontrar o piso adequado para desfrutar o desempenho de super GTs por motoristas licenciados apenas pelo poder aquisitivo é tarefa que se torna cada vez mais difícil quando se nota que os fabricantes não hesitam em disponibilizar seus modelos de alta prestação onde quer que o consumidor queira desfruta-los. Ensinar seu consumidor a desfrutar das qualidades de tais produtos seria uma atitude que, se adotada mandatoriamente e não como um sub-produto de caráter opcional, seria algo muito bem-vindo.
Em 2017 a prova da categoria GT foi marcada por uma colisão espetacular (Arquivo pessoal) |
Em um mundo onde até mesmo eventos de F-1 tornam-se inviáveis por exigências cada vez maiores, fica mais fácil entender que adequar os carros, sejam eles de competição ou de uso diário, às condições do mundo enfrentado por condutores do dia a dia seja mais viável e consequente do que o inverso. Se adotada de maneira sensata esta solução não vai aniquilar o automobilismo esportivo, muito menos a emoção que caracteriza o esporte.
Sophia Flörsch se recupera
Jovem alemã que este ano emigrou da F-4 para a F-3, Sophia Flörsch foi submetida a uma cirurgia de sete horas realizada para reparar as consequências de um choque contra um palanque que servia posto de trabalho para comissários de pista e fotógrafos. A operação para reparar a fratura da coluna vertebral foi considerada um sucesso e sua recuperação deve durar cerca de 20 dias até que ela possa retornar ao seu país. A instalação montada na curva do Hotel Lisboa foi atingida pelo monoposto de Florsch a uma velocidade estimada de 276 km/h depois que seu carro chocou-se contra o de dois adversários.
Médicos indicaram que Sophia Flörsch, piloto alemã de 17 anos, não ficará paraplégica. Foto: Macau Grand Prix. |
As causas do acidente ainda não ficaram claras, porém pode-se estudar neste vídeo e neste outro a dinâmica do acidente. Sabe-se que ela chocou-se contra a traseira do carro de Jehah Daruvala na reta principal do circuito; o piloto indiano teria reduzido demasiadamente a velocidade ao notar bandeiras amarelas. Como consequência, seu carro perdeu as duas rodas do lado esquerdo, rodou e chocou-se contra o guard-rail do lado direito da pista. Uma zebra instalada no local para mitigar disputas arriscadas de carros de turismo e grã-turismo na tomada de curva provocou a decolagem do F-3 de Florsch, que em seguida chocou-se contra o santântonio do carro do japonês Sho Tsuboi e alçou voo contra a barraca onde estavam o comissário de pista Chan Cha In e os fotógrafos Chan Weng Wang e Hiroyoki Minami, todos feridos pelos destroços do Dallara-Mercedes número 25 inscrito pela equipe holandesa Van Amersfoort, além de outros profissionais.
Dan Thicktum venceu pelo segundo ano consecutivo em Macau. Foto: Macau Grand Prix. |
A condição relativamente frágil dessa instalação absorveu boa parte do impacto e colaborou diretamente para diminuir as consequências do impacto. Tivesse ido de encontro ao guard-rail ou em direção a uma construção em concreto o choque teria causado danos físicos imensamente maiores. O britânico Tom Ticktum venceu a corrida pelo segundo ano consecutivo, resultado que consolida seu potencial como próximo inglês a aportar no universo da F-1.
Farfus volta a vencer
Na despedida de Charly Lamm (E) Augusto Farfus voltou a vencer. Foto: BMW Motorsport. |
Dias após anunciar sua mudança do DTM para a categoria GT, o brasileiro Augusto Farfus (BMW M6 GT3) voltou a vencer: ele largou na pole-position e dominou a corrida onde o italiano Rafaelle Marciello (Mercedes AMG GT3) foi seu principal adversário. Foi a segunda vitória do paranaense no Circuito da Guia, onde triunfou em 2009 e marca a história esportiva da marca bávara: além de confirmar Farfus como um dos seus pilotos de primeira linha na categoria GT, também foi a última aparição de Charly Lamm como chefe da Schnitzer, empresa que cuida de boa parte do programa esportivo da BMW. Seu posto será ocupado por Herbert Schnitzer Junior, filho do fundador da empresa.
* Wagner Gonzalez é jornalista especializado em automobilismo de competição, acompanhou mais de 350 grandes prêmios de F-1 em quase duas décadas vivendo na Europa. Lá, trabalhou para a BBC World Service, O Estado de S. Paulo, Sport Nippon, Telefe TV, Zero Hora, além de ter atuado na Comissão de Imprensa da FIA. Atualmente é diretor de redação do site Motores Clássicos. Twitter: @motclassicos. Fale com o Wagner Gonzalez: wagner@beepress.com.br.
Leia> Coisas de Agora.
* Wagner Gonzalez é jornalista especializado em automobilismo de competição, acompanhou mais de 350 grandes prêmios de F-1 em quase duas décadas vivendo na Europa. Lá, trabalhou para a BBC World Service, O Estado de S. Paulo, Sport Nippon, Telefe TV, Zero Hora, além de ter atuado na Comissão de Imprensa da FIA. Atualmente é diretor de redação do site Motores Clássicos. Twitter: @motclassicos. Fale com o Wagner Gonzalez: wagner@beepress.com.br.