História – e histórias.
Mês rico em registros de eventos,
permite ao publisher adiar publicação de texto sobre o novo Ford Mustang,
pronto há quinzena, e exercitar sua liberdade. Faço algumas referências históricas
sobre este princípio de mês.
Um anão na Copa
O que tem a saída de Portugal da Copa
do Mundo, e a indústria automobilística brasileira ? Ligação histórica, como
conto.
Aos 16 de julho de 1966 Bulgária e
Portugal jogariam na 8ª Copa, em gramados ingleses. Portugal estreava Copa, e o
time vinha se comportando magnificamente. O CR7 da época era Euzébio, atacante
e capitão, recordista em gols no certame.
O embate seria dos poucos a ocorrer
durante o expediente e, pela oportunidade, a Simca, fabricante do modelo
EmiSul, teve sensibilidade. Seu Diretor Geral, o eng Jack Jean Pasteur, mandou
pendurar os maiores tvs da época – 23 polegadas ? -, enormes caixotes com um
tubo posterior, imagens em preto e branco, na estrutura metálica dos galpões,
permitindo aos colaboradores na linha de montagem, almoxarifado, escritórios,
interromper o serviço para assistir ao jogo.
O Caso
Foi-me contado por Fernando Antônio
de Almeida, o Coe, filho do mítico Fernando Almeida, engenheiro
aeronáutico pelo ITA, da primeira leva dos contratados pela Simca. Nela
Fernando pai chegou a engenheiro chefe, da sucessora Chrysler e da VW
Caminhões. Coe contou, divertido, em depoimento para inédito
livro por mim cometido sobre a marca, história sempre citada por seu pai, a
parte do folclore das soluções da indústria em tempos de baixíssima
tecnologia, em fábricas mal equipadas mandadas abaixo do Equador para fazer
carros ínvios – sem caminho - em outras praças.
A Simca enfrentava mais um problema
com o problemático EmiSul, entrada de água pela vedação do porta malas - além
dos defeitos no comando de válvulas do motor, embreagem. Coisa insólita na
velha carroceria, a mesma há quase uma década, pois o evento se dava longe da
pequena alteração nas dimensões do vidro traseiro. O EmiSul era luxuoso, pretendendo
ser do 2º ciclo da indústria, sem ter sido trocado, e desde seu lançamento era
uma usina de problemas.
Fizeram-se inúmeras tentativas de
aplicar calços, mudar borrachas, regulagens e dobradiças da tampa traseira, sem
vedar a entrada de água – sem êxito.
Á falta de equipamento para
verificar, imaginou-se colocar um colaborador dentro do porta-malas para ver o
problema na origem. Sugestão boa e barata, mas a questão estava no homem e a
reduzida mobilidade, no limitado espaço. Foram ao cartesianismo: espaço
pequeno, homem pequeno - um anão de circo! Contrataram-no. Fora da função
circense, o anão faria um extra. Un bec, como comentaram os
franceses da administração, rindo da improvisação brasileira.
Solução óbvia, prática e criativa, um
homem pequeno, acostumado em seu emprego, a saltos, piruetas e contorcionismos.
Com poderosa lanterna e pedaços de giz, observaria os pontos de infiltração,
marcaria, deixando aos técnicos conclusões e soluções.
“ - O método parecia certo e
deu certo. O problema foi o processo. Após o almoço, com a chegada do anão,
levaram um EmiSul para o local com bateria de testes, fora do prédio da linha
de montagem. No espaço para prova de estanqueidade colocaram o anão e
apetrechos no porta-malas do automóvel, equipe e supervisor se afastaram,
ligando as duchas de alta pressão sobre o automóvel.
Entre barulhos e respingos do falso
temporal, um colega chamou a turma para a surpresa de assistir ao jogo entre
Portugal e Bulgária. Para esta o Brasil havia perdido, e a partida seria
definidora para a chave. Coisa atrativa.
Moral da história, ao receber a
notícia, largaram Simca EmiSul e sua tempestade, correndo para conseguir bons
lugares. Duas horas depois, jogo encerrado, voltaram ao local, e ouviram fracas
pancadas e gritos abafados. Era o anão. Esquecido, suado, desesperado, fraco
pela baixa oxigenação, sem conseguir soltar o encosto do banco traseiro e sair,
após intensa sauna no compartimento fechado. Conseguiu deixar o porta malas,
desidratado, mãos machucadas de tanto bater na tampa do porta-malas e
pára-lamas, xingando a todos como gente grande. Mas conseguiu marcar os pontos de
infiltração, e o problema foi resolvido.“
De Copa. Portugal venceu a Bulgária
por 3x0 e, logo em seguida, dia 19, a nós por 3x1.
Romi, o pioneiro, há 62 anos
Dona Olímpia, seu Emílio, pioneiros. |
Há 62 anos, às exatas 11h30 do dia 30
de junho de 1956, num galpão transformado em linha de montagem, funcionários da
fábrica de tornos Romi, em Santa Bárbara do Oeste, SP, observaram colegas dar
partida em pequeno motor de dois tempos, ruidoso, fumaçento, como o eram nos
anos 50.
Acima dele um ser motorizado em forma
ovóide, construção do italiano Renzo Rivolta, multi negócios – teve, até,
fábrica de tecidos no Brasil. Um gentil senhor com então 60 anos,
abriu a porta com cara de tampa de compartimento, pediu à acompanhante para
aguardar, e tomou-lhe a frente, sentando-se atrás do volante cuja coluna
basculava à frente. Espaço restrito, bem administrado para levar duas pessoas –
três muito apertadas -, não permitia à passageira acomodar-se antes. Com Emilio
e dona Olimpia Romi o pequeno carro pintado em dois tons, azul médio e cinza
claro – pipocou pelo galpão e saiu pela área livre da fábrica. Era o primeiro
protótipo, ou como conta a história, o Número Zero.
Pequeno o carro, grande a coragem.
Emílio Romi acreditou mais na possibilidade de fazer carro no Brasil, que o
presidente de então, Getúlio Vargas – 1950-1954 -, e antecipou-se aos brilhos
do sucessor Juscelino Kubitschek, e de seu ideólogo setorial, o Comandante
Lúcio Meira. Levantando possibilidades, foi à Itália conquistar a cessão de
licença, know how e tecnologia para fazer o Isetta antes de
medidas oficiais.
Transformou a aspereza de suas
instalações onde fazia toscas peças para agricultura, numa linha de montagem de
peças terceirizadas, e nela nasceu seu automóvel orgulhosa e naturalmente
batizado de Romi Isetta.
Foi pioneiro, necessário, marcou-se
por criatividade de construção terceirizada e vendas – anúncios com
personalidades de TV, caravanas em viagem, autobol – regras de futebol, bola
enorme, e os Romi agindo como jogadores. Ofereceu-se como carro de
universitário e da emancipação feminina.
Seu fim tem variáveis. A burocracia,
por exemplo. O produto, apesar de pioneiro, não se enquadrava nas regras do
GEIA, surgido depois, grupo para implantar a indústria automobilística,
classificando automóvel por mínimas duas portas e quatro lugares – o Romi tinha
uma e três. Por isto não alcançava os incentivos, incluindo compra de dolares
pelo câmbio oficial para importar partes não feitas no Brasil, como motor e
câmbio. Carlo Chiti, enteado de Romi, uma das enzimas – acelerador químico – da
implantação, deu explicação definitiva: a empresa projetara o mercado e se
preparara para tal quantidade, encerrando a operação. Na prática vendeu muito
bem até 1959 quando lançados o Renault Dauphine e o VW 1200, com morfologia de
automóvel e, pelos incentivos, com preço pouco acima do Romi-Isetta. Em
fevereiro de 1960 o Palácio do Catete, RJ, então sede do Governo Federal, foi
buscar a Romi para abrir a Caravana de Integração Nacional, viagem para mostrar
que carros nacionais, com combustíveis nacionais, andando sobre novas estradas
nacionais, chegariam à nova Capital nacional a ser inaugurada daí a dois meses.
À época já estava ferido de morte.
Fizeram-se aproximadas 3.300
unidades, até 1961, as últimas vendidas em 1962.
Ford 46: antevisão ou coragem ?
Leves retoques e o Ford 42 se transformou em 46 |
Três de julho de 1945, Ford retomou a
produção de automóveis para uso civil, interrompida em abril de 1942 quando os
EUA declararam guerra ao Eixo Alemanha/Itália/Japão na II Guerra Mundial, dedicando
a capacidade industrial do país a produzir artigos com aplicação bélica,
deixando o mercado três anos sem único automóvel O Km.
Questão seria apenas industrial e
comercial, se a data não antecedesse em 41 dias a assinatura do
armistício, aos 14 de agosto. E deixou dúvidas: a empresa tinha informação
privilegiada talvez pelo fato de seu presidente, Henry Ford II ter servido à
Marinha durante o conflito – deixando-o por Decreto Presidencial para assumir a
empresa familiar ante doença incapacitante do avô Henry Ford e o caos pelas
ações do ex-guarda costas para assumir a Presidência? Ou seria apenas coragem,
estamina e testosterona em alto nível do jovem de 28 dirigindo a segunda maior
empresa de automóveis do país para autorizar o investimento da produção e
estoque até o dia da autorização de vendas?
Historiadores apostam na segunda
vertente. Ford II alto, forte, com perfurante olhar azul e voz descombinada –
mesma de famosos Juan Manuel Fangio e pilotos de Fórmula 1 -, chamava
atenções, instigava críticas. Foi quem decidiu fazer carrocerias
revestidas por madeira para dissimular as linhas antigas, pré-Guerra, e de
agregar grupo de consultores entre jovens de muito futuro, de mudar o conceito
de automóveis lançando o modelo 1949, bem menor e elegante relativamente aos
antecessores da década anterior.
A volta à produção, por antecipação
ou coragem, deu resultado. Ao armistício apenas a Ford tinha automóveis O Km,
novos, em estoque, para fornecer a carentes compradores. Modelia ’46 pouco se
diferenciava dos modelos 1942, quando cessada a produção, e os de 1945
anunciados como 1946: os faroletes foram deslocados da parte inferior dos
faróis para o espaço entre eles.
Mês e meio de estoque deram vantagem
à Ford para conquistar os clientes, famintos e privados dos O Km pelo período
de suspensão.
Roda-a-Roda
Preparo – Nissan avisa,
seu picape Frontier, hoje vindo do México, passa por 90 testes para adequação
às condições de uso na América do Sul. Será produzido em Córdoba, Argentina, segundo
semestre. Será base para Renault Alaskan e Mercedes Classe X.
Acerto – É para
torná-lo apto a enfrentar as duras peculiaridades do mercado, mais confortável,
resistente, melhor vedado, maior capacidade de arrasto, resistência da
carroceria a desgastes, e nas conexões elétricas e ar condicionado.
Tudo bem – Terá
inequívoco ganho de operacionalidade, necessário no competir com a renca de
picapes de porte médio feita na Argentina, abastecendo a América Latina. Mas
falta desculpar-e com os atuais compradores por fornecer veículo que se provou
tão inadequado.
Desperdício – Custo desconhecido para tal estudo. Mas poderiam poupado. Como a Aliança
Renault-Nissan recentemente assumiu o controle da Mitsubishi, bastaria ter
conversado com o Eduardo Souza Ramos, acionista majoritário da HPE, autora das
boas adequações praticadas nos picapes Mitsubishi para o Brasil.
Quem diria, o GT R da Nissan desenhado pela Italdesign |
Surpresa –
Para festejar 50 anos, Nissan se associou a outra cinquentenária, a Italdesign,
para fazer protótipo do GT R-50. Os GTs da Nissan são bandeiras de tecnologia
e design, e no R-50 atinge seu ápice com atrevido adereço dourado
envolvendo a frente, escorrendo pelas laterais, encerrando em enorme placa sob
o vidro traseiro. Fosse vestimenta japonesa seria um Obi.
Mais – Para
arrancar 720 cv do motor V6 e 3,8 litros, aumentaram os turbos, exigindo fazer
tomada de ar no capô. Apliques vermelhos, saídas de ar, rodas enchendo suas
caixas – 255/35 R21 à frente e 285/30 R21 atrás, incrementam visual de
esportividade. Seis velocidades, tração traseira. Potência específica superior
ao novo Ferrari 488 Pista, 720 cv, 3,9 litros. Uau!
Então – Curiosidade
a quem acompanha o mundo do automóvel está na presença da Italdesign no projeto
vendendo serviços a empresa extra VW, sua controladora.
VW T-Cross, mais. |
T Cross – VW inicia instigar mercado
para um de seus principais produtos, o SAV T-Cross. Mostra-o por ilustrações e
irá apresentá-lo em evento europeu no segundo semestre. Será dos novos cavalos
de batalha da marca, ausente do segmento de utilitários esportivos.
Mercado – Num mercado
com tantos novos concorrentes a diferença do T-Cross está no projeto, sobre
plataforma mundial, a MQB utilizada em Polo e Virtus, e por isto dotado de
equipamentos encontráveis em veículos de faixas superiores de preço. O slogan
de apresentação é I am more than one thing, cuja melhor
interpretação é oferecer mais.
Descenso – (queda,
retração) – Mercado argentino prevê enorme queda no segundo semestre, atrelado
às indefinições brasileiras, e à suas próprias incertezas econômicas, ajuda do
FMI, risco de recessão, aumento das taxas de juros. Hoje, no vizinho, enorme
estoque.
Sobe – Kia
informou ter vendido 6.095 unidades no semestre, 54,7% de crescimento sobre período
do ano passado. Dólar caro puniu ascensão em junho.
Gente – Antonio Filosa,
novo presidente da FCA na América Latina, tomou dois meses de avaliação, e
mudou equipe. OOOO Passo maior, a dispensa de Sérgio Ferreira, antes o nº 1 em
Jeep/Chrysler/Dodge, RAM, responsável por dois dos três produtos de maior êxito
para a empresa, os Jeeps Renegade e Compass. OOOO Para seu lugar, Tania
Silvestre. OOOO Herlander Zola, ex-VW e BMW ascendeu à área comercial da
Fiat. OOOO Erica Baldini, ex Ford, 43, diretora de Recursos Humanos. OOOO Na Argentina, Diretoria Geral vaga desde a promoção de Filosa, Martin
Zuppi, local, ex número 2. OOOO Lá, mandão geral, o
intocável Christiano Ratazzi. OOOO André Senador, 56, jornalista, novo rumo. OOOO Surpresa no mercado
deixou a Diretoria de Assuntos Corporativos da VW, onde estava há 10 anos. OOOO Formador de ótimos profissionais, mestre em comunicação, gestor
de crises, pensa no futuro – após período sabático. OOOO Sucessor, não anunciado, mas pré ajustado, começa dia 1. OOOO
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* Roberto Nasser, edita@rnasser.com.br, é advogado especializado em indústria automobilística, atua em Brasília (DF) onde redige há ininterruptos 50 anos a coluna De Carro Por Aí. Na Capital Federal dirige o Museu do Automóvel, dedicado à preservação da história da indústria automobilística brasileira.
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